PRIMEIRO GOZO
Morei em Esplanada, na Rua Virgílio Ribeiro Araújo, quase em frente à casa da Professora Lucília, mãe de 6 filhos, que reuniam uma meninada e transformavam aquela casa no playground das redondezas. Era o QG de montagem de arraias, garagem geral dos carros de pau, arena das batalhas de bola de gude, estádio do campeonato de golzinho e arquibancada dos poucos jogos que televisionavam na época.
Jogos de times nordestinos eram restritos a transmissões radiofônicas. Salvo poucas boas campanhas do Bahia, não havia motivo para acompanhar o campeonato brasileiro, a não ser torcendo para algum time dos estados mais abastados do país. Apesar de ser forçado a torcer por outro time, só para fazer parte da turma e ter o que conversar, era o Bahia que eu gostaria de ver chegando ao final do campeonato. Parecia algo distante. Parecia que o Bahia não cabia na tv.
Em 1981, o Bahia disputou a Taça de Prata, devido à 3ª colocação no Campeonato Baiano do ano anterior. Eu sofri, inicialmente, com as piadas adversárias, mas nada impediu que eu vestisse a camisa tricolor. A verdade é que eu nem acompanhava tanto, nem escutava rádio, nem entendia direito o que acontecia, eu só torcia pelo Bahia e os meninos passavam as informações. As notícias dos resultados iam chegando e o Bahia estava bem. Disseram-me que o Bahia tinha conseguido passar para a Taça de Ouro e estava melhor que os times que disputaram o título baiano. As boas notícias prevaleciam, até o Bahia levar 4x0 do Santa Cruz... voltaram as piadinhas.
No dia 04 de abril de 1981, cheguei da rua e percebi meu pai escutando rádio na cozinha. Eu pensei que fosse jogo do time dele, mas ele me chamou: "venha escutar seu time, faltam 2 gols!". Eu fiquei ao lado do meu pai rubronegro, sem entender qualquer coisa daquela narração tão rápida, em uma sintonia cheia de ruídos, mas ria da atenção de meu pai. E saiu mais um gol, ele me ensinou a comemorar. Quase saiu outro gol, ele me ensinou a xingar. E me ensinou a fazer cara feia de ansiedade. E saiu o quinto gol, ele me ensinou a comemorar, xingar e a rir vencendo a ansiedade.
Eu tinha 8 anos. Meu pai pegou minha bandeira do Bahia, ordenou que eu vestisse o meu manto sagrado e disse: "Vá! Hoje é seu dia! Grite! Bora Bahêa, Porra!!!!". Aquele pedaço da Rua Virgílio Ribeiro Araújo me viu com riso bobo e alegria sincera, entrar na casa da professora Lucília, passar pela casa de Marquinhos, até a casa da Serginho, espalhando o meu primeiro gozo tricolor.
Comentários
Postar um comentário